UM GRITO
- Pedro Candido
- 25 de jan. de 2018
- 2 min de leitura

No início era o verbo, o fantasma, a esperança, a possibilidade
Ossos intactos
Bocas molhadas
Madrugada vigilante
Distante, solto ao vento, exalando o cheiro de quebrar-se
Desencontro vagante
Vagante desencontrado
Fui embora como se seu coração não fosse o único caminho que eu sabia trilhar
Ficaram pela estrada somente os olhos, as roupas e o cheiro
Epíteto gasto
Verbo, nada mais.
No início era a calmaria, a constância, o afago, o amor
Segredos tardios
Bocas e corpos suplicantes
Verdades e mentiras sentenciadas ao mesmo corpo
Houve abraço que aperta tanto quanto conforta
Houve tudo até não haver mais
Fui embora como se não habitássemos o mesmo corpo
Deixei tanto amor para trás que pouco sobrou para amar de novo
Ou pra explicar o motivo da fuga
Epíteto gasto
Exceção que vira regra, nada mais
No início era a leveza, o encontro, a permissão, o carinho
Não tinha restado muito que doar
Pouca entrega, oportunidade tardia
Tempo refeito, laço retocado.
A ânsia de amar certo era muita! Era tanta!
Houve encontro, houve entrega
Tudo de uma vez: Sem filtro, sem jeito, sem motivo.
Foi o tempo, os nossos tempos, a gente ser que é
Fui-me!
Fui embora como se minha casa não fosse o seu peito.
Epíteto gasto
Gerúndio também
Tempo gramatical
Latim
E tudo o mais
O que mais?
No início era o espelho, o choro, o luto, a sombra do epíteto.
O fantasma, o silêncio, o sol
O desejo de não querer mais ser
Mesmo não sabendo mais o quê.
Mesmo não restando nada pra ser.
Mesmo sem poder ser mais.
Mesmo sem.
Mesmo.
Esmo.
Eu grito!
Grito tanto que calo
Garganta seca, olhos também
Banho de solidão, banho de fins
Esqueço os fins
No início era... Era o que mesmo?
Era o começo
É o começo que não recordo mais
Perco os sapatos e as horas
Perco até as memórias
Volto. Volto a começar
No início era o grito, era um grito, um gemido de quem aprende a viver
Jogos os trapos, os caixões e as flores secas fora
Respiro fundo, encho o peito e volto a gritar, volto a gritar, volto a gritar.

Pedro Candido (É acadêmico em Serviço Social e escritor)
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